Já sabemos que fumar aumenta o risco de doença cardíaca coronariana,
derrame e câncer de pulmão, mas agora, os oftalmologistas devem se
preocupar também com um risco aumentado de uveítes.
O
tabagismo está associado com uma ocorrência maior de uveítes, levando ao
aumento da necessidade de uso de colírios esteroides e ao aumento da
incidência de catarata e edema macular, diz um estudo de Martin Roesel,
médico do Departamento de Oftalmologia do Hospital St. Franziskus, em
Muenster, na Alemanha.
Os resultados deste estudo destacam a
necessidade de encorajar os pacientes com uveíte a parar de fumar ou
pelo menos reduzir a quantidade de cigarros fumados por dia.
Embora
não esteja claro se o fumo está envolvido na patogênese da uveíte, o
tabagismo parece de alguma forma desempenhar um papel relevante na maior
atividade da doença, observou Martin Roesel. Seu trabalho foi publicado
na versão on line da Graefes Archive for Clinical and Experimental
Ophthalmology.
Tabagismo x uveítes
O
tabagismo impacta negativamente as doenças autoimunes. No grupo das
doenças autoimunes, o tabagismo está associado com um risco aumentado de
doença de Crohn, maior gravidade da fibromialgia e maior risco de
manifestações extra-intestinais em reto-colite ulcerativa. Os estudos
também têm associado o tabagismo ao agravamento dos quadros de artrite
reumatóide.
Mas qual o impacto do tabagismo sobre as uveítes?
Roesel e sua equipe analisaram os dados de 350 pacientes com uveíte não
infecciosa, dos quais 155 pacientes (32,9%) eram fumantes. E eles
descobriram que a doença se desenvolvia, primeiro, nos fumantes. Além
disto, os pesquisadores notaram que a doença era mais ativa nos
fumantes, ou seja, eles têm uveítes com mais frequência.
O
número de cigarros fumados por dia também aumenta o risco da atividade
inflamatória da uveíte. Consequentemente, os fumantes necessitam mais de
colírios corticóides do que os não fumantes. E quanto mais maços
fumados durante cada ano, mais forte é a presença de edemas maculares.
Uveítes não são apenas olhos vermelhos
“Olhos
vermelhos são sintomas comuns nas uveítes e nos quadros de
conjuntivite. Daí, a importância de estabelecer um diagnóstico preciso. A
uveíte é uma inflamação que se manifesta em toda a úvea ou em uma de
suas partes”, afirma o oftalmologista Virgílio Centurion, diretor do
IMO, Instituto de Moléstias Oculares.
Do ponto de vista
anatômico, a úvea é dividida em duas porções: a anterior, que engloba a
íris e o corpo ciliar, e a posterior, constituída pela coróide que está
intimamente ligada à retina. “Por isso, os processos inflamatórios que
atingem a coróide ou a retina se misturam. Muitas alterações que
comprometem inicialmente a coróide passam a comprometer a retina e
vice-versa”, diz Roberta Velletri, oftalmologista que também integra o
corpo clínico do IMO.
Conforme o local em que a inflamação se
manifesta, a uveíte pode ser anterior, posterior ou intermediária e os
sintomas variam muito de acordo com o local comprometido. Quando o
comprometimento é só do segmento anterior, ou seja, da íris ou do corpo
ciliar, os sinais da doença são diferentes daqueles em que há
comprometimento da coróide, isto é, do segmento posterior.
Na
uveíte anterior aguda, os principais sintomas são hiperemia, fotofobia
e, às vezes, dor. Na uveíte posterior, com comprometimento da coróide,
mesmo a aparência do olho sendo normal, o paciente pode apresentar
alterações da visão.
“Além da hiperemia, a queixa
oftalmológica que os pacientes mais apresentam é a alteração da visão.
Os pacientes se queixam da presença de uma mancha escura ou de turvação
visual. Isso acontece, sobretudo, quando existe comprometimento da
coróide e da retina, porque muitas células passam para o humor vítreo,
que perde a transparência e a nuvem que se forma na frente da retina
perturba a nitidez da visão”, explica Roberta Velletri.
Diagnosticando o problema
Quando
se faz o diagnóstico das uveítes, estabelecer a distinção entre uveíte
anterior e posterior é fundamental para determinar as prováveis causas. O
olho funciona praticamente como um gânglio e muitas manifestações que
apresenta decorrem de doenças sistêmicas.
Como a úvea é
constituída por tecido muito semelhante ao das articulações, existe
relação entre as doenças articulares – reumatológicas e auto-imunes – e
as doenças da úvea. Já foi estabelecido também um estudo epidemiológico
de prevalência que indica ser importante caracterizar o grupo etário a
que pertence o paciente: jovem (de zero a vinte anos), adulto-jovem (de
vinte a quarenta anos) e idoso (acima de quarenta anos).
“O
diagnóstico diferencial também é importante porque existe a síndrome
mascarada, com características que simulam a uveíte, mas que são
manifestações de doenças sistêmicas como metástases, leucemia ou de
alguns linfomas”, afirma a oftalmologista Sandra Alice Falvo, que também
integra o corpo clínico do IMO. O corpo estranho intraocular também
pode manifestar-se como uveíte e deve ser considerado durante o
diagnóstico.
A causa mais frequente de uveíte posterior é a
toxoplasmose, inclusive a toxoplasmose congênita. No Brasil, há uma
incidência alta de toxoplasmose adquirida, que é contraída pelo
indivíduo quando ele entra em contato com o parasita causador da doença.
Erechim, no sul do Brasil, é responsável por uma das mais altas taxas
de toxoplasmose ocular do mundo, que é 18%, enquanto a taxa americana é
de apenas 2%.
A contaminação geralmente ocorre com o contato
das mucosas com fezes de cães e gatos contaminados com o parasita, bem
como com o contato com terra contaminada, frutas e legumes mal lavados.
“Assim,
todos estamos expostos ao risco de contrair toxoplasmose. O diagnóstico
da toxoplasmose ocular tem que ser feito logo, pois quanto mais tempo o
indivíduo passa sem tratamento, maiores são as sequelas. A toxoplasmose
congênita, dependendo da fase da gestação em que for adquirida pode
levar além da má formação fetal à cegueira, por isso é tão importante
que as gestantes evitem a exposição a alimentos com chance de estarem
contaminados, durante a gestação”, alerta Roberta Velletri.
Incidência da doença
As
uveítes são mais freqüentes no adulto-jovem, entre 20 e 40 anos. Nessa
faixa de idade, 60-70% dos pacientes com uveíte posterior unilateral,
turvação da visão e olho aparentemente calmo apresentam exame positivo
para toxoplasmose. Na verdade, a partir dos quinze anos, aumenta muito a
prevalência de uveíte posterior causada por toxoplasmose.
Já
a uveíte anterior unilateral aguda em paciente idoso, na maioria das
vezes, ocorre por conta de processos herpéticos, provocados pelo vírus
herpes simples.
“Todos os pacientes com alguma manifestação
reumatológica devem fazer um exame de sangue chamado FAN fator
antinúcleo, pois 70% dos que têm FAN positivo desenvolverão mais tarde
um quadro de uveíte. A vantagem do diagnóstico precoce tanto da uveíte
anterior quanto da posterior é poder atuar preventivamente, uma vez que o
grande foco da terapêutica é preservar a anatomia do bulbo ocular, a
visão e proporcionar conforto ao paciente”, explica a médica.
Alterações visuais
Pacientes
com uveíte anterior não tratada correm o risco de apresentar uma lesão
anatômica irreversível porque a inflamação dentro do olho pode provocar
uma aderência da íris ao cristalino, fazendo com que ela deixe de
exercer seu papel de diafragma.
“Por isso, quando o olho
vermelho é sintoma de uveíte anterior, a primeira medida terapêutica é
dilatar a pupila para evitar aderências e preservar a anatomia do olho”,
conta Sandra Alice Falvo.
As uveítes sempre provocam
alterações visuais. No entanto, é comum encontrar pacientes com uveíte
posterior em que o diagnóstico só foi feito com base numa cicatriz mais
antiga ou não chegou a ser feito. Tudo depende da área onde se localiza a
inflamação.
“Se for na parte periférica da retina, poderá
passar despercebida, o que não acontece quando a lesão ocorre na parte
anterior da retina”, informa a oftalmologista.
Geralmente, nas
crianças, o quadro não é agudo, é crônico e elas não reclamam muito
porque vão se acostumando com os sintomas. São os pais que notam os
olhos vermelhos. Com os adultos é diferente, uma vez que dor,
sensibilidade à luz e hiperemia são sintomas marcantes da uveíte
anterior.
“A uveíte que acomete a parte posterior do bulbo
ocular, mais freqüente nos jovens e nos adultos-jovens, apresenta como
sintoma mais comum a turvação visual”, afirma Sandra Alice Falvo.
Tratando a uveíte.
O
diagnóstico preciso da uveíte é fundamental para orientar o tratamento
adequado para cada caso. Se a causa primária não for combatida, o
tratamento ocular pode trazer alívio, mas não a cura.
“Por
exemplo, a sífilis ocular é considerada manifestação da sífilis
terciária. Portanto, não adianta pingar uma gotinha de colírio para
resolver o problema dos olhos. É preciso tratar a sífilis também”,
lembra Sandra Alice Falvo.
As uveítes podem manifestar-se num
olho ou nos dois olhos e estar associadas a doenças sistêmicas.
Sobretudo nos casos de uveíte anterior, a primeira preocupação é dilatar
a pupila e prescrever um antiinflamatório local, pois o tratamento
oftalmológico visa a preservação da anatomia do olho e o conforto dos
pacientes.
No entanto, a conduta terapêutica depende do
diagnóstico etiológico. Indicam-se corticóides, quando o problema ocular
está associado às doenças auto-imunes. Quando a causa for herpética,
não se pode indicar tal medicamento.
“Nos casos de uveíte
posterior por toxoplasmose, tuberculose ou sífilis é preciso introduzir
um tratamento sistêmico. Por isso, o tratamento deve ser orientado
conjuntamente, pelo oftalmologista e por um clínico, para garantir uma
abordagem mais completa ao paciente”, defende a oftalmologista Roberta
Velletri.
Fonte: Dr.Visão